domingo, 26 de junho de 2016

Senhora do Salto

[pst 216] "O que então se depara ao nosso pasmo enebriado faz-nos recuar, num repelão de arrepio, eras atrás. Assiste-se ao último e espantoso quadro dum drama de milénios. O rio violentamente acrescido e despenhado pelas invernadas, bateu como um terrível aríete de encontro às fragas e fendeu de alto abaixo a grande massa da serrania xistosa, que rompeu e galgou entre duas altíssimas muralhas. Vê-se na frente do abismo o rio a saltar pela escadaria de gigantes; fulgir em rápidos clarões como uma espada que a corrente sacasse da bainha verde; chega-nos das funduras o fragor húmido e múltiplo, surdo e monstruoso; e vê-se a tromba líquida engolfar-se, em borbotões de espuma lívida, através dos festões da Primavera rompante na espantosa garganta. Longo tempo guardamos na memória a imagem cinética dum cachão despenhando-se num sorvedouro lôbrego, no fundo, muito fundo, para além da tremulina de névoa verde e palpitante". (Jaime Cortesão — Portugal, a Terra e o Homem).

Rio Sousa — Senhora do Salto. Paredes. 6 de setembro de 1996

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